INICIATIVA PRIVADA EM PESQUISA E DESENVOLVIMENTO

Marcos Pontes
28/03/2007

Um dos problemas sérios que afetam a capacitação tecnológica brasileira é o distanciamento entre as empresas privadas e os centros de pesquisa.
É uma questão sistemática. Até cultural: “Pesquisa, educação, etc? Isso tudo é responsabilidade única do governo!”
Países desenvolvidos, como os Estados Unidos e Japão, já adotam com muito sucesso, e há bastante tempo, uma metodologia de desenvolvimento de projetos compartilhada entre o governo e as empresas privadas. Isto é, a empresa divide com o governo todos os custos e os resultados da fase de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tecnologias associadas a um determinado projeto. Essa parceria permite várias vantagens. Por exemplo: redução de custos para o governo, maior constância de orçamentos para os projetos, redução da dependência política dos projetos, maior estabilidade de trabalho e melhores ganhos para os profissionais de pesquisa, maior freqüência de atualização de equipamentos, geração de produtos paralelos (“spinoffs”) de uso imediato pela empresa parceira, facilidade de transferência tecnológica do protótipo para a linha de produção, rapidez administrativa entre a fase de P&D e a produção, etc.
Para tanto, é necessário que a empresa parceira seja selecionada antes do início da fase de P&D. A concorrência entre as empresas pretendentes deve ter critérios baseados na capacitação técnica e na capacidade de investimento da empresa em P&D e produção. O contrato deve prever direitos para a empresa explorar comercialmente os resultados diretos ou paralelos (“spinoffs”) da pesquisa. O centro de pesquisas do governo fica com o conhecimento acumulado e todos os equipamentos instalados para o projeto. Parte dos recursos humanos necessários deverão ser da empresa privada, trabalhando ombro-a-ombro com os profissionais do centro. No final da fase de P&D, a empresa parceira automaticamente deverá ter o contrato de fabricação do produto para o governo, com ou sem restrições de comercialização externa, dependendo do tipo e do grau de confidencialidade do projeto.
Dentro dos laboratórios da NASA, existe um grande número de funcionários da Boeing, Lockeed Martin, etc. No Japão, é difícil distinguir funcionários da JAXA (Agência Espacial Japonesa) daqueles da Mitsubish Heavy Industries. Todos trabalhando em projetos conjuntos.
No Brasil, o processo é ainda pouco eficiente. O governo arca com todos os custos ligados a P&D. Oscilações políticas, trocas de cargo, dificuldades de contratação, alterações de prioridade, entre outras coisas, afetam diretamente a continuidade dos projetos. As dificuldades históricas dos centros de pesquisa, dos profissionais e dos projetos de tecnologia nacional já são de conhecimento geral, não é necessário repetir. As empresas esperam. No final da penosa fase de P&D, com sorte, resultam os protótipos. Inicia-se a fase de licitação para a contratação da empresa para a produção. As empresas fazem suas propostas. A lei utilizada, a famosa 8666, é pouco ou nada adequada para projetos de alta tecnologia. Obviamente, utilizar “pregão” também é completamente inadequado. A lei de inovações, que teoricamente seria mais apropriada para o setor, na prática não é utilizada pelos administradores. Seria necessário um trabalho conjunto das instituições públicas de P&D com o Tribunal de Contas da União para que essa lei fosse realmente útil no processo.
Depois de muita discussão, uma empresa é escolhida. Espera-se que ela tenha todas as qualificações necessárias. Infelizmente, nem tudo termina por aí. Muitas vezes, a empresa que perde a concorrência, por razões diversas, entra em disputa jurídica. O projeto fica travado e espera o final do processo. Algumas vezes, isso atrasa em anos o desenvolvimento de um programa estratégico para o país. Quando, finalmente, tudo se resolve, algumas coisas podem acontecer como: a empresa descobre que o desenho do produto não é adequado para a linha de produção, o governo mudou a prioridade, o produto já se tornou obsoleto! O projeto volta para a prancheta.

Marcos Pontes
Colunista, professor e primeiro astronauta profissional lusófono a orbitar o planeta, de família humilde, começou como eletricista aprendiz da RFFSA aos 14 anos, em Bauru (SP), para se tornar oficial aviador da Força Aérea Brasileira (FAB), piloto de caça, instrutor, líder de esquadrilha, engenheiro aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), piloto de testes de aeronaves do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), mestre em Engenharia de Sistemas graduado pela Naval Postgraduate School (NPS USNAVY, Monterey - CA).

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