Um
dos problemas sérios que afetam a capacitação
tecnológica brasileira é o distanciamento entre
as empresas privadas e os centros de pesquisa.
É uma questão sistemática. Até
cultural: “Pesquisa, educação, etc? Isso
tudo é responsabilidade única do governo!”
Países desenvolvidos, como os Estados Unidos e Japão,
já adotam com muito sucesso, e há bastante tempo,
uma metodologia de desenvolvimento de projetos compartilhada
entre o governo e as empresas privadas. Isto é, a empresa
divide com o governo todos os custos e os resultados da fase
de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tecnologias associadas
a um determinado projeto. Essa parceria permite várias
vantagens. Por exemplo: redução de custos para
o governo, maior constância de orçamentos para
os projetos, redução da dependência política
dos projetos, maior estabilidade de trabalho e melhores ganhos
para os profissionais de pesquisa, maior freqüência
de atualização de equipamentos, geração
de produtos paralelos (“spinoffs”) de uso imediato
pela empresa parceira, facilidade de transferência tecnológica
do protótipo para a linha de produção,
rapidez administrativa entre a fase de P&D e a produção,
etc.
Para tanto, é necessário que a empresa parceira
seja selecionada antes do início da fase de P&D.
A concorrência entre as empresas pretendentes deve ter
critérios baseados na capacitação técnica
e na capacidade de investimento da empresa em P&D e produção.
O contrato deve prever direitos para a empresa explorar comercialmente
os resultados diretos ou paralelos (“spinoffs”)
da pesquisa. O centro de pesquisas do governo fica com o conhecimento
acumulado e todos os equipamentos instalados para o projeto.
Parte dos recursos humanos necessários deverão
ser da empresa privada, trabalhando ombro-a-ombro com os profissionais
do centro. No final da fase de P&D, a empresa parceira
automaticamente deverá ter o contrato de fabricação
do produto para o governo, com ou sem restrições
de comercialização externa, dependendo do tipo
e do grau de confidencialidade do projeto.
Dentro dos laboratórios da NASA, existe um grande número
de funcionários da Boeing, Lockeed Martin, etc. No
Japão, é difícil distinguir funcionários
da JAXA (Agência Espacial Japonesa) daqueles da Mitsubish
Heavy Industries. Todos trabalhando em projetos conjuntos.
No Brasil, o processo é ainda pouco eficiente. O governo
arca com todos os custos ligados a P&D. Oscilações
políticas, trocas de cargo, dificuldades de contratação,
alterações de prioridade, entre outras coisas,
afetam diretamente a continuidade dos projetos. As dificuldades
históricas dos centros de pesquisa, dos profissionais
e dos projetos de tecnologia nacional já são
de conhecimento geral, não é necessário
repetir. As empresas esperam. No final da penosa fase de P&D,
com sorte, resultam os protótipos. Inicia-se a fase
de licitação para a contratação
da empresa para a produção. As empresas fazem
suas propostas. A lei utilizada, a famosa 8666, é pouco
ou nada adequada para projetos de alta tecnologia. Obviamente,
utilizar “pregão” também é
completamente inadequado. A lei de inovações,
que teoricamente seria mais apropriada para o setor, na prática
não é utilizada pelos administradores. Seria
necessário um trabalho conjunto das instituições
públicas de P&D com o Tribunal de Contas da União
para que essa lei fosse realmente útil no processo.
Depois de muita discussão, uma empresa é escolhida.
Espera-se que ela tenha todas as qualificações
necessárias. Infelizmente, nem tudo termina por aí.
Muitas vezes, a empresa que perde a concorrência, por
razões diversas, entra em disputa jurídica.
O projeto fica travado e espera o final do processo. Algumas
vezes, isso atrasa em anos o desenvolvimento de um programa
estratégico para o país. Quando, finalmente,
tudo se resolve, algumas coisas podem acontecer como: a empresa
descobre que o desenho do produto não é adequado
para a linha de produção, o governo mudou a
prioridade, o produto já se tornou obsoleto! O projeto
volta para a prancheta.
Marcos
Pontes
Colunista,
professor e primeiro astronauta profissional lusófono
a orbitar o planeta, de família humilde, começou
como eletricista aprendiz da RFFSA aos 14 anos, em Bauru (SP),
para se tornar oficial aviador da Força Aérea
Brasileira (FAB), piloto de caça, instrutor, líder
de esquadrilha, engenheiro aeronáutico formado pelo
Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA),
piloto de testes de aeronaves do Instituto de Aeronáutica
e Espaço (IAE), mestre em Engenharia de Sistemas graduado
pela Naval Postgraduate School (NPS USNAVY, Monterey - CA). |